G.R.E.S. ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA |
Sinopse 2015 |
Tudo era festa no meu tempo de menino. Nascido e criado em Mangueira, o morro e seus bairros eram o meu quintal, mas também a minha casa, o meu mundo, o meu reduto para brincar, para aprender as duras lições da vida e, para sonhar... Habitada por gente simples e tão pobre/ que só tem o sol que a todos cobre... Cantarolava eu, que nem conhecia Cartola, contudo por intuição percebia a resposta ao como podes Mangueira cantar? De verso em verso, a intuição virava convicção: eu digo e afirmo que a felicidade e os sonhos aqui moram, e aí estava a chave de tudo - a felicidade e os sonhos. Por aqui, até nossos barracos são castelos/ em nossa imaginação... Sonhou feliz, Nelson Cavaquinho.
Certa vez, deitado no
chão e olhando para o alto e a imaginar o morro todo em verde e rosa,
descobri que a natureza já tinha feito a sua parte. As mangueiras,
muitas mangueiras, coloriam a paisagem com todo o verde possível e
necessário. Nesse dia entendi a razão/inspiração do verso Mangueira,
teu cenário é uma beleza/ que a natureza criou... Só faltava o rosa,
pensei.
(1)
Ainda lembro quando
vovó me pegou pelo braço e apontou uma frondosa mangueira no alto do
morro e falou: "tá vendo aquela árvore, "fio"?" Enxuguei as lágrimas que
insistiam em molhar meu rosto e firmei o olhar na direção apontada. E,
continuou vovó: "ela é como um elo entre as mulheres do morro e a nossa
Escola de Samba. A raiz, o tronco resistente e os galhos cheios de
folhas, servem para proteger as flores que se transformarão em frutos.
Assim, também, são as mulheres, daqui e de qualquer lugar, "fio"! Nós
somos como as árvores, como a natureza, geramos vida e continuidade
através dos nossos frutos. Assim é a nossa vivência e nossa contribuição
com a Mangueira!". Algum tempo depois, novamente deitado no chão e olhando as mangueiras, agora enfeitadas de flores, lembrei-me da minha conversa com vovó Lucíola. Lentamente adormeci e sonhei. Sonhei com as grandes mulheres de Mangueira recebendo outras grandes mulheres do Brasil para um magistral desfile de carnaval. Sonhei que era primavera no morro e as "ROSAS", em verso e prosa, novamente, desabrocharam com todo o seu esplendor. Venham divinas damas que carregam no sangue esta nobreza ancestral, despertem para sonhar novamente e ouçam os versos mais belos que o poeta compôs para lhes ofertar. Por mais esta noite, desçam o morro em cortejo para reinar na folia como legítimas representantes da dinastia do samba, pois é através de suas memórias que a Mangueira vem contar e cantar a trajetória de outras grandes mulheres do Brasil.
Venha vovó Lucíola, e
seja novamente a minha guia! Deixe o doce perfume de suas lembranças
invadir o meu sonho, entorpecer a minha alma e se espalhar por ruas,
becos e vielas.
Salve as "Candaces do Brasil"! Os acordes afinados de um violão me chamam a atenção e uma suave melodia embala o meu sonho. Não demora e o coro, ao longe, também se faz ouvir e o canto harmonioso das pastorinhas de Mangueira atravessa a barreira do tempo, unindo passado e presente e, num compasso emocionante, faz-se ecoar pelas vozes das grandes cantoras mangueirenses, que hoje cantam em homenagem às grandes intérpretes do Brasil. E tem Chica, Chica Boom e balangandãs para todo o lado e disputas acirradas entre as Rainhas do rádio. Mas, sempre haverá uma "bandeira branca" para "clarear" a alegria! O morro é festeiro e transpira musicalidade. E tem jongo e maxixe nos cordões de velhos, mas a batucada é soberana para embalar a cantoria e animar o povão quando chega o carnaval. Protegida pela Guarda Real da bateria, a rainha desce as escadarias do seu castelo, no alto do morro, e se posta à frente dos ritmistas com altivez monárquica para receber as rainhas da beleza brasileira, lideradas por Gisele Bündchen e Marta Rocha coroada, com a faixa no peito e o cetro na mão. Trajes típicos desfilam a nossa brasilidade e se misturam às mulatas e cabrochas em apresentação apoteótica. No meu sonho "Real", o Buraco Quente se transforma em passarela de moda e de samba; porque, no reinado de Momo, todas as mulheres são belas rainhas e nós, os seus súditos. E, tudo em Mangueira é belo e tem seus fundamentos! Feito um ritual mágico, tia Lina se posiciona para ser reverenciada como a primeira Porta-Bandeira da verde e rosa. Percebo os guardiões abrindo caminho enquanto o pavilhão mangueirense flutua em meio ao povo, conduzido com graça e elegância, ora por Neide, ora por Mocinha. É a arte em movimento antropofágico de Tarsila! É a delicadeza das mãos nos versos de Raquel de Queiroz; é a sensibilidade feminina transmitida em cores e gestos; é o poder da arte derrubando barreiras e preconceitos e empunhando a bandeira da igualdade. As vozes se multiplicam e a cantoria aumenta. Mas é preciso concentração! Uma voz se destaca entre todas as outras e se faz respeitar! Em Mangueira, berço de grandes guerreiras, Dona Neuma, mulher de fibra, prestígio e liderança, é quem toma as rédeas da situação, seja nas árduas batalhas da vida, no dia a dia do morro ou nas alegres batalhas de confetes e serpentina. Sempre com a firmeza e a sensibilidade de uma líder nata. Quando necessário, fazia-se Maria Quitéria nas pelejas para defender o samba e a Mangueira, mas se alguém precisasse de auxílio, rapidamente se transformava em Ana Néri para socorrer.
Então, respeitem quem
pode chegar aonde elas chegaram e abram alas para todas as mulheres que
se colocaram à frente de seus tempos e que, nunca estiveram à espera de
príncipes encantados para lhes salvar! São estas mulheres que nos
conquistam pela simplicidade e, ao mesmo tempo, se impõem pela
grandiosidade, e que hoje, personificadas em Dona Zica e aclamadas em um
desfile triunfal, recebem de Mangueira o que a história oficial muitas
vezes lhes negou: a valorização e o reconhecimento. Que seus exemplos de
força e persistência se transformem em uma espécie de vento suave e
contínuo capaz de tremular no ponto mais alto das nossas consciências a
legítima bandeira verde e rosa... Que o rosa possa significar a mais
singela tradução do nosso reconhecimento a todas as mulheres deste
país... E que o verde possa transmitir a nossa esperança por igualdade
de direitos, para a honra e glória daquelas que lutaram e ainda lutam
por dignidade. A sua benção vovó Lucíola e, obrigado por me permitir sonhar, por esta noite, o seu sonho maior de igualdade e respeito a todas as mulheres. É a sua, a nossa Mangueira que está na Avenida e, todas as Marias com as latas d'água nas cabeças, as negas mais malucas do que nunca, as cabrochas e mulatas e as senhoras do Departamento Feminino e da Velha-Guarda, vêm saudar as nossas Ritas Lee, as nossas Martas Vieira da Silva, as nossas Marias da Penha e as nossas Fernandas Montenegro porque, para honra e glória do Brasil, "Agora Chegou a Vez, Vou Cantar: Mulher de Mangueira, Mulher Brasileira Em Primeiro Lugar!"
(1) Trecho retirado
da revista: Mangueira, Paixão em Verde e Rosa de 2005. Texto do então
Presidente da Agremiação Álvaro Luiz Caetano e livremente adaptado por
Cid Carvalho. |