Estácio de Sá – Sinopse 2014

CARNAVAL DE 2014

SINOPSE DO ENREDO

Um Rio à Beira-Mar: Ventos do Passado em Direção ao Futuro

Estácio de Sá - Logo do Enredo - Carnaval 2014

 

Espalho-me vestido de sentimentos e folhas. Às vezes ligeiro, às vezes suave… refletindo nos rostos e na alma. Surjo no horizonte entre a calmaria e a tempestade, cruzo os mares trazendo antigos navegadores impulsionados pelo sonho da conquista de novas terras, glórias, riquezas, comércio e aventuras. Homens ávidos! Mesmo sob os meus cuidados, agem com displicência: foz, rios, mares, baías… A partir de uma grande confusão, aportam nas águas da Guanabara, acreditando ser a foz de um grande rio, denominado “Rio de Janeiro”. Entre os corsários franceses e a “ação dos piratas”, os portugueses, protagonistas deste episódio, lançam-se em defesa do ancoradouro recém-descoberto e povoam a cidade. Fonte de uma privilegiada geografia, a cidade-porto natural (antigo porto da Prainha), por excelência, torna-se um magnífico escoadouro de produtos tropicais.

Viajando na poesia do tempo…minhas “filhas brisas” sopram a riqueza desse “Rio a Beira-Mar”: a descoberta de ouro e diamantes nas Minas Gerais e a abertura do caminho novo ligando o Rio ao planalto central converteram a cidade no principal centro intermediário do tráfico de escravos e mercadorias entre a costa africana, Lisboa e a região das minas. Porém, foi anos depois que o crescimento das atividades portuárias cariocas tornou-se ainda mais rápido, impulsionado pelo processo de modernização material e cultural que passou a transformar o Rio devido à chegada de D. João VI, à abertura dos portos e à expansão da cafeicultura.

Todos os caminhos levam ao porto: atraindo fortunas, aumentando a circulação de mercadorias e promovendo encontro entre raças e culturas. A cidade-porto cresce e privilegia seus traços urbanos. Sua estrutura amadurece entre caminhos sinuosos, becos, escadinhas, ladeiras e praças, interligando o Morro da Conceição, Morro de São Bento, Prainha, Pedra do Sal, Gamboa e Santo Cristo.

A vida ganha leveza. Numa relação de causa e consequência, a cidade vai ganhando forma. Episódios protagonizados pela sua gente vão sendo encenados em todos os cantos e meios da cidade. Assim, de memória, como o despertar de uma doce aurora, embalo as paisagens bucólicas, entrelaçando-me aos “românticos” banhos de mar nas águas cristalinas da Chácara Imperial Quinta do Caju, reservados aos encantos da Família Real. Como brisa do mar… sou maresia, sou quem muda o curso das águas à essência que resplandece dos cardumes ao acalanto das histórias de um pescador. Sou filho do tempo que sobreviveu à dor e ao lamento, que revelou a purificação da alma em um estado de sofrimento.

Mas, diante dos dados reais da vida, não só de tristezas viveram os negros na cidade portuária. As palavras de ordem tornavam-nos “escravos de ganho”: sapateiros, quitandeiros, ourives e até poetas. Mas é na representação da sua cultura que eles se destacam no cenário carioca. As cercanias do porto, onde os negros se instalaram, deram o apelido de “Pequena África”, reduto de
costumes e usanças africanas de inúmeras e pequenas famílias transportadas da Bahia.

A caminho do mar, tudo se revela. Samba, gingado e peixada na panela. Essas manifestações, promovidas pelas “tias baianas”, ganharam forte popularidade com as reuniões do “babalorixá” João do Alabá e das tias Bibiana, Perciliana e Ciata, onde eram cantados sambas e chulas, reunindo, em seus terreiros, baianos e cariocas ligados ao samba e ao candomblé. Não só de samba nutriam-se esses grupos. Influenciados pela Folia de Reis, festeiros ganham as ruas, numa só empolgação, e desfilam no Rancho “Dois de Ouro” – o primeiro a ser fundado no Rio de Janeiro.

Numa leve brisa, abro as janelas do passado. Em direção à malha ferroviária, nasce a primeira favela carioca: Morro da Providência. Habitada, inicialmente, pelo contingente de soldados que lutaram na “Guerra de Canudos”, a favela integra-se à Zona Portuária e, ao lado dos bairros já tradicionais da região – Saúde, Gamboa e Santo Cristo -, promove o que originalmente chamavam de botequins: aquelas antigas “boticas” ou “botiquinhas”, pequenos armazéns de secos e molhados em que se encontrava de tudo.

“Marco presença sem nem chegar… Sou real, sou um inesperado vendaval!” A região do porto é palco de importantes movimentos sociais, políticos e de resistência dos negros. A Revolta da Vacina – contra a vacinação obrigatória – teve, no bairro da Saúde, a sua principal barricada. Local que anos depois, eclode no porto do Rio a Revolta da Chibata, quando marinheiros se insurgem contra os castigos físicos da Marinha e ameaçam bombardear a cidade.

Cruzo o céu de um tempo em que o sentimento “brasileiro” era marcado pela imaginação e pela influência da cultura francesa. Na “Bela Época Tropical”, as reformas do prefeito Pereira Passos marcaram o início de um novo século. Um Rio de Janeiro moderno, progressista, belo e higienizado, ergue-se nos traços de um remodelado “Porto dos Sonhos”. Neste sentido, o porto e a cidade se completam, visando à formação urbana marcada por inúmeras proporções históricas e culturais. Cenário em que a Praça Mauá protagoniza, como sendo a porta de entrada de todas as novidades que vinham trazidas pelas ondas – as ondas marítimas em que chegavam dos transatlânticos que atracavam no moderno porto do Rio de Janeiro e as ondas sonoras da Rádio Nacional que, do alto do edifício de “A Noite”, o primeiro arranha-céu da cidade, encantavam verdadeiras multidões de ouvintes.

Sempre presente no ar…e, suavemente, me pego pensando: porto, encontro e despedida, lenço perfumado, aceno na beira do cais… Mas, conversa vai, conversa vem, já é noite e eu também preciso do meu bem… Numa movimentada vida noturna, os letreiros acendem…entram em cena, na Mauá by Night, as damas da noite, mariposas, marinheiros, gigolôs, boêmios, dando o clima do lugar. Hoje, o Rio é remanescente de sua própria História, esse mesmo Rio que outrora pensara ser uma “Paris Tropical”, resignifica seus valores patrimoniais, destacando o porto de sua cidade, um “Porto Maravilha” – que resgate o contato do carioca com “MAR” – inspirado na cidade-porto de Barcelona, na Espanha. A revitalização da Zona Portuária saiu do campo do pensamento e se tornou real, aqui personificado em fantasias e alegorias na gênese de nosso desfile e na verdade das ruas que presenciamos em horários comerciais. Juntos, os programas de apoio ao cidadão e à cultura preservam a identidade, recuperam o espaço urbano e constroem uma cidade respeitando sua história e seu meio ambiente. Quem sou eu? “A vida é feita de ventos, uns serenos, outros intensos… Um vento agita e outro acalma”. Mas todo vento é poesia que se entrelaça à vida em perfeita sintonia. Eu sou o vento que lhe trouxe esse recado, sou o vento que sopra na beira do mar, meu porto seguro…sou eu o vento do passado em direção ao futuro.

 

Carnavalesco: Jack Vasconcelos
Texto: Marcos Roza
Pesquisa: Jack Vasconcelos e Marcos Roza