Unidos do Cabuçu – Sinopse 2017

CARNAVAL DE 2017

SINOPSE DO ENREDO

Domingo Menino Dominguinhos

Unidos do Cabuçu - Logo do Enredo - Carnaval 2017

 

“Olha a cocada, olha a cocada! Só compra quem tiver dinheiro. Quem não tiver não sente nem o cheiro”. É domingo, dia de feira em Garanhuns, final da década de 1940. Entre as barracas montadas no chão de terra, vende-se de tudo que há no mundo: cebola, mamona, jerimum, milho, mandioca e feijão – “Eu tenho pra vender, quem quer comprar?”. José, Moraes e Valdomiro, três irmãos humildes, desprovidos de fartura, se misturam àquela multidão de gente. Ajeitam cada um o bisaco e olham para a mãe, Dona Maria, que ordena: “Podem sentar aí e começar a tocar”. Sanfona, triângulo e pandeiro – pequenas cantadelas foram entoadas nas vozes dos Três Pinguins, como eram chamados os irmãozinhos, que estiraram o chapéu de couro curtido no chão no afã de, quem sabe, conseguir algum trocado qualquer. Para espanto, era tanta pratinha caindo aos pés dos meninos que, no fim das contas, a família fez uma fé e, dela, não deixaram faltar o pão dentro de casa.

O sanfoneiro de oito baixos tinha nome e sobrenome: José Domingos de Morais. Virtuoso, tocava o instrumento desde os seis anos, quando ganhou do pai Francisco, sem saber ler uma partitura. Seu dom estava nas ruas: sempre cantava com os irmãos para reforçar o orçamento de casa, no agreste pernambucano. Um dia botou na cabeça que ia ganhar o mundo. Ouviu dizer que um tal de Luiz Gonzaga, o Lua, estava hospedado no antigo Tavares Correia, na Avenida Rui Barbosa. Lá foram os Pinguins tentar a sorte grande. Com a sanfona na mão, fizeram uma apresentação improvisada, quase uma serenata, interrompida pela pergunta: “Essa cabra não é meu conterrâneo Neném do Acordeão?”. Era Gonzaga, o Rei do Baião, interessado no talento de Domingos, o Neném em questão, como era chamado desde a infância.

Um encontro que mais traçaria a saga do menino pobre. Domingos, ou Neném, saiu do hotel com um cartão na mão. Endereço: Rio de Janeiro; ano: 1954. “Pensamento viaja”. Tomou coragem e, anos depois, embarcou num pau-de-arara rumo à Cidade Maravilhosa. Lá reencontra Luiz, o que mangava de Januário, que decide apadrinha-lo depois de atestar seu talento incontestável. Neném passa a se chamar Dominguinhos, com a responsabilidade de ser o mais legítimo herdeiro de Gonzagão. A Domingos coube a missão de seguir com passos firmes o caminho aberto pelo famoso Rei do Baião, que presenteou o herdeiro com uma sanfona nas mãos, agora de 80 baixos.

“Olha, isso aqui tá muito bom / Isso aqui tá bom demais” – Nessa trilha marcada pelo compasso do fole e da zabumba, o pernambucano de Garanhuns logo provou que era mestre. Tornou-se uma referência para quem faz música nordestina. Da feira da infância, veio a primeira canção gravada e entoada nas rádios: “Moça de feira”. Mais tarde, conhece Anastácia, que em batismo é Lucinete, mas no coração foi a principal parceira de vida, de letra e de melodia. “Eu só quero um amor / Que acabe o meu sofrer / Um xodó pra mim do meu jeito assim / Que alegre o meu viver”. Pulsa a poesia, mas o coração nordestino fala alto – “Tô com saudade de tu, meu desejo” – e segue Dominguinhos a retornar à sua terra, ao lado do Lua Viajante. “Por ser de lá, do sertão, lá do cerrado”, vê a peleja de sua gente, que sobrevive no infinito rachado no chão, sem um “pé de prantação”. “A planta pede chuva quando quer brotar”. As paredes das casas cor de adobe guardam histórias, mas também guardam esperanças: “Mandacaru / Quando fulora na seca / É o sinal que a chuva chega / No sertão”.

Foram mais de 70 anos de sucesso até chegar sua estação derradeira: por coincidência, Exu, terra do seu padrinho Gonzagão, de quem herdou o legado do baião, do fole e do xaxado. Não tardou para o filho de Garanhuns, outrora Neném do Acordeão, caminhar na direção do seu mestre maior. “Olha pro céu, meu amor / Vê como ele está lindo / Olha praquele balão multicor / Como no céu vai subindo”. Era Domingo Menino Dominguinhos, que sorri novamente, desta vez lá do alto, ao encontro do Rei. E hoje, passeando no seu próprio céu, nosso mestre da sanfona passa a dedilhar as nuvens para cantar: “Estou de volta pro meu aconchego / Trazendo na mala bastante saudade”.

[E que bom que, em 2017, a Unidos do Cabuçu faz coro, junto com milhares de brasileiros, para aconchegar Dominguinhos à memória dos grandes que por aqui passaram e, assim, cantar para ele, como forma de gratidão: “É duro ficar sem você vez em quando / Parece que falta um pedaço de mim / Me alegro na hora de regressar / Parece que vou mergulhar na felicidade sem fim”.]

 

Carnavalesco: João Vitor Araújo
Pesquisa e sinopse: Daniel Targueta

 
 

MÚSICAS CITADAS NA SINOPSE:

– “Feira de mangaio”
– “Gostoso demais”
– “Isso aqui tá bom demais”
– “Eu só quero um xodó”
– “Lamento sertanejo”
– “Asa branca”
– “Tenho sede”
– “Xote das meninas”
– “Olha pro céu”
– “De volta pro aconchego”