Império da Tijuca – Sinopse 2022

CARNAVAL DE 2022

SINOPSE DO ENREDO

Samba de Quilombo: a Resistência pela Raiz

 

Estou chegando. Venho com fé, respeito mitos e tradições. Trago um canto negro e aquela gente de cor, com a imponência de um rei, vai pisar na passarela. Vamos esquecer os desenganos, viver a alegria que sonhamos, mas depois da ilusão…será que o samba ainda está em nossas mãos?

A poesia do negro partideiro ficou pra escanteio quando “visual virou quesito”. Valendo apenas quem se veste mais bonito as custas de muito dinheiro. Falsos valores escritos por “brancas mãos” de intelectuais e acadêmicos que invadiram nossos terreiros. Carnaval virou mercado, produto de Estado. Mas não me incomodem, por favor. Samba é verdade do povo, ninguém vai deturpar seu valor!

Nasci manifesto, preto protesto à luz de Candeia, na viola de Paulinho, na poesia de Nei e Moreira. Batizado pela resistência e bravura de Palmares, da união e insatisfação de irmãos baluartes. Compositores “quilombolas” cantando com pés no chão fundaram a “Nova Escola”.

Em meu pavilhão, o branco inspirado na simplicidade da paz, sintetizando um mundo de amor, simbolizado no dourado e lilás. Aqui todos podem colaborar, mas ninguém pode imperar. A sabedoria é meu sustentáculo e meu princípio é o amor. Sou a casa da nossa cor, que carrega no peito a ancestralidade e tradição, desabrocha sua arte e lugar de fala, no corpo, na voz e nas mãos.

Se manifesta no girar da baiana; no versar de um partideiro. Por poemas, filmes e melodias; pelos debates e discursos no terreiro. Movimento pelo compositor, por reconhecimento das barreiras que preto enfrenta nesse país. Mas exaltando toda a riqueza de nossa raiz e compreendendo que o samba é quem faz nossa gente mais feliz. Extraio o belo das coisas simples que me seduzem, sendo lar de sambista e centro das artes da negritude.

No barato tecido, um folclore negro colorido, na cultura popular ancestral, a estampa do sorriso. Cortejam Afoxés e Macaratus, bailam jongueiros e Lundus. No balanço de um samba de Caboclo, na ginga de um capoeira; no miudinho de um Partido Alto, num pandeiro, tamborim e viola que toque a noite inteira. Não me apavora nem rock, nem rumba e pra acabar com tal de “soul” basta um pouco de macumba! Girem saias e guias, ecoem louvores e cantares aos santos, deuses e orixás pelos heróis de nossa liberdade. Salve Dandara, Ganga Zumba, Luiza Mahin, Maria Felipa, Manoel Congo. Valeu, Zumbi!

Sai pelas ruas do centro e dos subúrbios com minhas baianas rendadas, sambando sem parar. Com minha comissão de frente digna de respeito, carregando no peito minhas origens através de enredos. Fiz “Apoteose das mãos” em meu primeiro cortejo, ao som de Martinho devolvi ao estandarte a história das origens negras “Ao povo em forma de arte”. Pelos versos de Luiz Carlos, cantei Solano Trindade; pelos versos de tantos mestres celebrei Zumbi e comemorei os noventa anos da liberdade.

Plantei a semente, cultivei a raiz, flori e deixei herança. Sou Quilombo! Eu sou o povo, sou canto, sou dança! Sou Candeia! Sou voz que não cansa de lutar para negro alcançar seu dia de graça. Então, não negue a raça! É hora de fazer Kizomba mais uma vez para a Conceição padroeira abençoar seus filhos quilombolas, que hoje também são da Formiga e desfilam na avenida todo o nosso cantar. E é por isso que eu canto…

Axé, Tijuca! Ora yê yê ô!

Guilherme Estevão

*Inserções feitas no texto com trechos do Manifesto do G.R.A.N.E.S Quilombo; músicas “Dia de Graça”, “Nova Escola”, “Sou Mais samba” de Candeia; “Ao povo em forma de arte” de Martinha da Vila, “Solano, Poeta do Povo” de Luiz Carlos da Vila e “Visual” de Beth Carvalho.

 

JUSTIFICATIVA

O Império da Tijuca apresenta para o carnaval de 2021 o enredo “Samba de Quilombo: a resistência pela raiz”, um tributo ao Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo. Agremiação fundada em 8 de dezembro de 1975, na cidade do Rio de Janeiro, dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da escola e da agremiação do Morro da Formiga, sendo Oxum nas religiões de matriz africana, de acordo com o sincretismo religioso.

O Quilombo representa um movimento de sambistas negros, idealizado pelo cantor e compositor Antônio Candeia Filho, o Candeia, com participação de importantes compositores do cenário nacional do samba como fundadores, entre eles Paulinho da Viola, Nei Lopes, Wilson Moreira e Darcy do Jongo, além de integrantes como Martinho da Vila, Luiz Carlos da Vila, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Elton Medeiros, entre tantos outros baluartes das escolas de samba do Rio de Janeiro.

A agremiação foi fundada em meio a um contexto de insatisfação latente por parte de compositores de diversas escolas de samba, em especial do GRES Portela, com os rumos dos desfiles carnavalescos e do direcionamento das escolas. Candeia questionava o processo, definido por ele, como “embranquecimento” do samba, com a presença cada vez maior e mais influente de cenógrafos, artistas plásticos e acadêmicos, em geral de pele branca, não oriundos das comunidades em que as agremiações se encontravam.

Para além das influências externas no pensamento de carnaval, Candeia refutava o caráter comercial que o samba e seus desfiles carnavalescos adquiriram, se articulando com o poder público e com participação paulatinamente mais significativa de mecenas nas agremiações. Resultando em um grande processo de transformação estética e de grandiosidade dos desfiles.

O ano de 1975 marca o bicampeonato de Joãozinho Trinta pelo Salgueiro com o enredo “As minas do Rei Salomão”, consolidando uma nova ótica para o trabalho visual e de pesquisa do carnaval, naquele momento, e fortalecendo o processo de ruptura de Candeia e de diversos compositores com a Portela, após a escola alcançar o quinto lugar, com o enredo “Macunaíma, herói da nossa gente”, idealizado e desenvolvido pelo departamento cultural e de carnaval da escola.

Como manifesto, Quilombo foi formada tendo como princípios fundamentais a luta pela preservação das tradições fundamentais, sobretudo vinculadas à cultura negra, para o desenvolvimento da atividade criativa popular; o desenvolvimento de um centro de pesquisas da arte negra, enfatizando a sua colaboração na formação da nacional; o afastamento de intelectuais e influências externas ao desenvolvimento puro da expressão das escolas de samba; atrair os verdadeiros representantes e estudiosos da cultura brasileira, resgatando a colaboração do negro nesse contexto; organizar a agremiação com a participação de sambistas de todas as raças irmanados pela defesa da autenticidade do samba.

Consolidando-se para além de uma agremiação carnavalesca, a escola era considerada “casa do sambista” e o espaço das diversas manifestações folclóricas e culturais ligadas a arte e ancestralidade da negritude, praticadas nos subúrbios e comunidades, entre elas Afoxés, Maracatus, Jongos, Lundus, Capoeira, Samba de Caboclo, de roda e Partido Alto.

No mesmo espaço, debates eram promovidos a partir da leitura de textos, poemas e filmes, possibilitando a construção de discursos e diversos tipos de movimentações político-social pela causa negra. Para além do aspecto folclórico e político, as celebrações religiosas, de matriz africana ou cristã, eram praticadas no terreiro do Quilombo, em homenagem a grandes heróis da liberdade negra no Brasil.

Ao longo de seis anos, o GRANES Quilombo desfilou ininterruptamente, tendo como princípio de enredos exaltar a cada carnaval um aspecto da cultura negra. Entre os anos de 1977 a 1982, o Quilombo desfilou temas como o papel do negro na construção das civilizações; o legado artístico e cultural das diversas nações e civilizações pretas pela história; a poesia e papel de Solano Trindade; os noventa anos da abolição da escravatura no Brasil; a exaltação a Zumbi dos Palmares.

O grande idealizador da agremiação, Candeia, faleceu em 16 de novembro de 1978, sendo uma perda fundamental para a agremiação. A escola passou por alguns anos de atividades interrompidas, até retomar sua atuação. Deixou um enorme legado e influência em outros movimentos negros e do samba, como o Clube do Samba e Kizomba. Hoje, a agremiação encontra mais um símbolo de resistência da cultura negra no carnaval: O Império da Tijuca. Escola que sempre resgatou, exaltou e se identificou com a apresentação de sua ancestralidade e raiz de uma comunidade maioritariamente negra.